Na abertura de um dos episódios da ótima série Cooked, inspirada na obra de Michael Pollan, vê-se uma senhora marroquina acomodada no chão de sua sala a sovar o pão de cada dia, enquanto soam na tela suas palavras: “É impossível viver sem pão. O pão é o mesmo que a água. Você não pode viver sem água e não pode viver sem pão. Simplesmente não pode.”
Estou de acordo com ela. Pão é das coisas essenciais, dessas sem as quais não se pode viver. Falo de bom pão, não qualquer um. E aí reside o problema, ao menos pra quem mora no Rio de Janeiro, que nunca foi exatamente um celeiro de boas padarias.
É claro que testemunhamos o surgimento de propostas interessantes ao longo dos últimos anos. Mas a cidade ainda nos devia um endereço verdadeiramente bom, que tivesse à frente gente disposta a entender a complexa simplicidade da panificação segundo a tradição milenar da fermentação natural; gente disposta ao constante aprendizado que se impõe a quem lida com um alimento vivo e deseja compreender suas transformações.
Felizmente, o Rio tem hoje ao menos dois padeiros com essa disposição. Faz quase um ano que acompanho suas fornadas e o que posso dizer é que minha vida ficou melhor.
Da S.p.A Pane eu soube através de uma amiga, mais de um ano atrás. Conhecedora da minha insatisfação com a média da produção carioca, ela me alertou: “Descobri uma baguete muito boa na loja de conveniência de um posto Ipiranga na Lagoa”. Baguete boa num posto de gasolina? Desconfiei. Meses depois, resolvi conferir e me arrependi de não ter ido antes. A cena era inusitada: belos pães ostentavam suas crostas douradas num balcão onde disputavam atenção com lanches de gosto duvidoso – como manda o figurino nas lojas de conveniência. Na prateleira ao fundo, um cesto cheio delas, as baguetes. De fato, as melhores de que tenho notícia por aqui.
Aos poucos, fui experimentando outros exemplares da linha de produção de Marcos Cerruti, o padeiro por trás da S.p.A Pane. Especialmente depois de inaugurado seu website, que disponibiliza a produção semanal para compra on-line. O de azeitonas, as baguetes, focaccias e ciabattas tornaram-se presença constante em minha mesa.
Já a The Slow Bakery, comandada por Rafael Brito e Ludmila Espindola, eu descobri numa visita a uma das edições da feira Junta Local, em abril do ano passado. Não havia como não notar seus pães. Trouxe um deles pra casa, o Rio Sourdough, e celebrei a descoberta. Desde então, tenho feito encomendas semanalmente em sua loja virtual. Além do Rio Sourdough, o de azeitonas, o de semola rimacinata e o de grãos germinados estão entre meus favoritos.
Há alguns meses, incluíram na linha de produção impecáveis ciabattas. É preciso falar também de sua focaccia: não conheço melhor no Rio. Não é vendida on-line, mas eventualmente é possível encontrá-la no novo endereço onde a padaria acaba de se instalar – que além do balcão, tem um pequeno café na entrada e ainda funciona como ponto de venda da Junta Local, expondo produtos de alguns parceiros da feira.
São dois trabalhos de estilos diferentes. Acho as crostas dos pães da S.p.A Pane mais crocantes e suas baguetes seguem imbatíveis. Já os da The Slow Bakery me parecem ter sabor mais rico e complexo e sinto neles mais claramente a presença da leve acidez decorrente da fermentação natural. É interessante e divertido experimentar, comparar, descobrir quais facetas mais me agradam em cada um delas. Eu, que reclamava da ausência de boas padarias na cidade, já não posso me queixar.
Que estes padeiros sejam inspiração pra que mais gente se dedique à panificação com a seriedade e o respeito que o ofício merece. Repito o que já disse aqui certa vez, renovando minha esperança de que os pães pálidos, frouxos e sem sabor que há tanto consumimos ganhem, cada vez mais, a concorrência de exemplares como esses.
The Slow Bakery – Rua São João Batista 93 – Botafogo
http://www.theslowbakery.com.br/
S.p.A Pane – Av. Epitácio Pessoa 3666 – Lagoa (dentro do posto Ipiranga)