Andando pelo centro de Gramado, um dos destinos mais populares do Rio Grande do Sul, eu me questionava a respeito da peculiaridade daquele lugar. Um em cada dois restaurantes é especializado em fondue. Por todo lado, lojas de chocolate de baixa qualidade e gosto duvidoso. Pra quem vai a esta parte da Serra Gaúcha em busca de Brasil, e não um arremedo de Suíça, um estranhamento pode se instalar. Mas há esperança.
Ganhar as estradas e percorrer a zona rural talvez seja a forma mais eficaz de escapar aos estereótipos que impregnam o turismo mais convencional na região. No fim de semana que passei recentemente nos arredores de Gramado e Canela, houve dois lugares onde vislumbrei inteligentes alternativas às velhas fórmulas: na Monã, interior de Canela, e no Parador Hampel, em São Francisco de Paula. Ambos oferecem experiências em que a gastronomia se manifesta como expressão da cultura da região.
Sede do convívio Slow Food Serra Gaúcha, a Monã é um lugar inspirador, onde frequentemente se realizam almoços abertos ao público nos fins de semana. No sábado em que estive ali, o proprietário, Daniel Castelli, comandava a parrilla, enquanto a cozinha se encarregava de um extenso cardápio: pães de produção própria, geleias, queijos locais, saladas, vegetais grelhados, ragu pra acompanhar polenta feita com milho branco e milho crioulo.
Devo observar que, à exceção das excelentes linguiças que nos foram servidas, todas as carnes que experimentei estavam além do ponto, o que pode decepcionar aqueles que alimentem alta expectativa quanto ao churrasco gaúcho. Feita esta ressalva, foi um gostoso almoço num cenário especial, onde a natureza e a cultura local são protagonistas.
Após a refeição, fiz uma longa caminhada pela propriedade, que começou entre pés de bergamota e se encerrou com uma visita ao galinheiro. Não havia vontade de ir embora.
O mesmo prazer senti no Parador Hampel, hotel fundado por alemães no século XIX, que foi comprado e reinaugurado no ano passado pelo restaurateur Marcos Livi – que, apesar de viver em São Paulo, tem raízes em São Francisco de Paula, terra onde nasceu.
Embora haja na propriedade um restaurante de funcionamento diário, domingo é o dia mais interessante pra uma visita, pois é quando costumam acontecer os almoços intitulados A Ferro e Fogo.
As boas-vindas são dadas com delicioso choripan preparado na hora. No bucólico pátio do casarão histórico, acontece o espetáculo do fogo de chão – a ressalva, uma vez mais, ficou por conta das carnes, muito passadas, à exceção do impecável galeto.
Na bela cozinha, sobre um antigo fogão, diversos pratos preparados pela dupla de cozinheiros que comanda o dia a dia da casa: saladas, arroz de carreteiro, feijão, abóboras assadas, polenta frita.
Assim como aconteceu na Monã, o Parador Hampel me proporcionou a satisfação de uma experiência que vai além da comida e tem o claro propósito de valorizar a cultura local. Vislumbrei ali um Rio Grande do Sul que não quer ser Europa. Ao contrário, absorve e digere suas múltiplas referências, inclusive, naturalmente, aquelas trazidas pelos imigrantes, mas transforma tudo isso em algo em que possamos nos reconhecer.
Monã Vivências – http://mona-cea.com.br/home/
Parador Hampel – http://www.paradorhampel.com/