Conheci Rafa Costa e Silva pouco depois de seu retorno ao Brasil, após uma temporada de cinco anos na cozinha do Mugaritz, no País Basco, onde começou como estagiário e de onde saiu como braço-direito do chef Andoni Luis Aduriz. Estive com ele em várias ocasiões ao longo desses dois anos que antecederam a tão aguardada inauguração de seu Lasai. Entrevistei-o algumas vezes. Em outras tantas, tivemos oportunidade de conversar informalmente. Logo percebi que se tratava de um sujeito irrequieto, dono de um senso crítico afiado, pouco inclinado a aceitar verdades estabelecidas. Sua personalidade, mais do que seu currículo, plantou em mim grandes expectativas.
Tratou de relativizar tudo o que lhe havia sido dito a respeito da dificuldade de conseguir determinado padrão de matéria-prima por aqui. Montou duas hortas e um galinheiro. Construiu uma relação de confiança com agricultores e pescadores, gente que o ajudaria a concretizar as ideias que trazia na bagagem.
Mostrou disposição pra fugir de padrões e fazer as coisas do seu jeito, o que vem provando desde março, quando seu novo restaurante abriu as portas em Botafogo. É o que se vê, por exemplo, na atuação de sua jovial equipe, que, embora marcada por leveza e informalidade, entrega eficiência rara no cenário da restauração carioca. É o que fica claro também na corajosa decisão de inaugurar sem assessoria de imprensa, sem distribuir convites indiscriminadamente.
Nada disso teria tanto valor se a comida servida no Lasai não fosse boa. Felizmente é. O público tem a chance de descobrir isso através de dois menus cujos preços, ao menos por enquanto, são relativamente inferiores aos praticados por seus pares: um deles consiste em uma sequência de pequenas entradas, dois pratos e uma sobremesa; o outro, num percurso mais longo, algo entre dez e quinze bocados escolhidos pelo chef, que variam constantemente de acordo com o que chegar de mais fresco de suas hortas e das mãos de seus fornecedores.
Nesses quatro meses de vida do restaurante, estive ali três vezes. Embora tenha sido perceptível a evolução entre a primeira visita e a última, era indiscutível a excelência da cozinha já nas primeiras semanas de sua trajetória. É claro que nem tudo o que comi nas três ocasiões me trouxe igual satisfação, mas isso se deve muito mais às minhas idiossincrasias do que a qualquer outro motivo. O fato é que não foram poucas as virtudes que a casa me revelou ao longo desses meses.
Entre elas, a marcante presença de vegetais, de incontestáveis frescor e qualidade, disputando o protagonismo com carnes, peixes e frutos do mar nas mais diversas preparações. Como os chips de batata doce roxa, que acompanhavam a brandade de beijupirá ou os crocantes de milho que amparavam finas lâminas de língua. As diversas tempuras, de quiabo a flor de abobrinha, de berinjela branca a folha de acelga. As ervilhas em várias declinações: salteadas, fresquíssimas, e na forma de dois purês (num, cruas; noutro, cozidas). O veludo da batata-cenoura, que roubava a cena e ameaçava ofuscar um impecável naco de lula. O inhame, que se aliava ao coco, compondo falsa clara onde repousava uma gema mole, à espera do mergulho de um pedaço do chip de carne seca.
Há que falar na técnica exuberante, jamais ostentada por si, mas sempre colocada a serviço do produto, que é a grande estrela ali. Exemplos claros são a extrema delicadeza das tempuras, de que já falei, e os pontos de carnes e peixes – o beijupirá em deliciosa crosta de missô e o contrafilé de Wagyu com pimentão vermelho e batata roxa não me deixam mentir. O mesmo se diga da perfeição dos caldos, como o de carne, que contracenava com vieiras e tutano, e o de porco, que conferia ainda mais profundidade ao prato que unia leitão e batata baroa, esta finalizada na churrasqueira – que, aliás, tem papel importante na cozinha de Rafa.
Devo dizer que as sobremesas me pareceram ser a nota dissonante no concerto. Entre as que experimentei, o melhor elemento foi quase sempre algum tipo de sorvete, como o de açaí – que acompanhava banana e um inexpressivo bolinho de açaí –, o de coco – com doce de melancia e bolinho de coco – ou ainda o de amendoim, que contracenava com figo grelhado, dobradinha em que não vislumbrei grande diálogo. Na verdade, todas elas me pareceram um degrau abaixo do que se faz na cozinha salgada.
Creio que seja apenas questão de amadurecimento aparar essas arestas. Afinal, por melhor que seja um trabalho, por mais competente que seja um chef, acho que não se pode desprezar algo fundamental em qualquer trajetória de sucesso: o tempo.
Lasai - Rua Conde de Irajá, 191 – Botafogo