Se há uma lição que esses cinco anos de blog me trouxeram é a de só escrever a respeito de um restaurante quando eu me sinta à vontade pra fazê-lo. Pode acontecer na primeira visita. Às vezes, só depois da segunda ou da terceira. Em alguns casos, confesso, esse momento nunca chega. Não me perguntem por quê. Eu não saberia explicar. Só sei que enquanto não encontro as palavras certas pra falar sobre determinado lugar, prefiro não desperdiçar meu tempo e, especialmente, o do leitor. Só vou adiante se minhas linhas, ainda que tortas, fizerem algum sentido pra mim. Mesmo que, eventualmente, não façam pra vocês - isso, não tenho como evitar.
O post de hoje é desses que custam a nascer. As palavras não me encontraram na primeira visita ao Volta. Nem na segunda. Escrevo depois de ter estado cinco ou seis vezes no restaurante inaugurado em agosto pelo mesmo time que comanda o Venga!. Por mais estranho que isso possa parecer, quanto mais me pergunto por que só agora consegui esboçar essas linhas, mais me convenço de que a dificuldade veio justamente do fato de ter muitas referências sobre grande parte do que sai daquela cozinha. Trata-se de um cardápio que evoca tudo aquilo que passamos a vida comendo nas casas de nossas mães, de nossas tias, de nossas avós. Comida servida em prato, aquela coisa que costumávamos usar antes de as placas de ardósia roubarem a cena, lembram?
Então, depois de passar a infância comendo as deliciosas iscas de fígado feitas por minha avó, o que esperar das iscas do Volta? Os mesmos defeitos? As mesmas virtudes? Talvez, incompreensivelmente, um pouco dos dois. Na primeira vez em que as experimentei, a carne estava meio rija, deslize que minha avó também cometia às vezes, mas o molho era infinitamente mais profundo que o dela. Gostei. O simples fato de me fazerem lembrar as dela me bastaria pra gostar. Na segunda visita, reincidi. Tão saborosas quanto na primeira vez, agora, faltava-lhes aquela profundidade no molho, mas a carne estava muito melhor. O importante é que sempre me levaram de volta às da minha infância e isso, em certos momentos, é mais importante que a execução perfeita.
Quiabos, na casa da avó, jamais viriam com queijo minas esferificado – e confesso que passaria melhor sem essa licença poética, a meu ver, dispensável –, mas também não chegariam no ponto impecável dos quiabos feitos no Volta. Grelhados, em vez de refogados, crocantes como os dela jamais foram.
As coxinhas de galinha ganharam meu favoritismo desde a primeira visita. Repeti algumas vezes e estiveram sempre muito gostosas. A massa não é pesada, o recheio é saboroso.
Outro campeão de audiência por aqui são os ovos mimosa. Aprendi a comer em casa. Minha mãe os faz muito bem, mas não tão bem quanto o Volta – que ela não me leia... Faltam aos dela os infernais pedacinhos de bacon, que, sejamos honestos, deixariam qualquer receita melhor.
No compasso da lembrança, vou, pouco a pouco, decifrando o cardápio e identificando minhas preferências. Se dissesse que não presenciei tropeços na cozinha, mentiria. Foi assim, por exemplo, com a canja de galinha. A apresentação era tão bonita que passei um tempo olhando o prato antes de tomar coragem e mergulhar a colher, que me traria a decepção de um caldo absolutamente sem sabor.
Naquela mesma noite, minutos depois, as coisas melhorariam com um bom e farto arroz de forno com suã.
Entre os pratos mais substanciosos, encontrei felicidade especialmente no cozido dos almoços de domingo. Há muita subjetividade nisso, pois o prato é uma das minhas predileções. Não posso dizer que seja o melhor que já experimentei, mas estava muito bom. O caldo, extremamente saboroso. Os legumes, coisa rara, não haviam passado no fogo mais tempo que o necessário. O pirão que o acompanhava podia ser mais espesso, mas isso não abalou meu almoço.
Quanto às sobremesas listadas no cardápio, quase sempre releituras de doces das nossas infâncias, experimentei a maioria, mas nenhuma me entusiasmou. A simplicidade do queijo de Araxá acompanhado de boas compotas de abacaxi, mamão e abóbora e, ainda, uma colherada de doce de leite, parecia-me a melhor opção pra encerrar uma refeição ali. Ao menos, até duas semanas atrás.
Na última quinzena, o Volta ganhou um balcão de sobremesas com jeito de casa. Sem releitura. A coisa como ela é. Receitas extraídas dos cadernos da mãe de uma das sócias do restaurante são executadas à risca, com pouca ou nenhuma intervenção. A seleção varia diariamente. Do que experimentei até agora, tudo estava delicioso. Do cremoso quindim ao bom e velho bolo xadrez.
Desenvolvi especial apreço pelo bolo formigueiro. Massa fofa, o sabor do coco fresco bem evidente, ótima ganache de chocolate, pouco doce. Numa cidade onde tão pouca gente dedica a uma receita de bolo o merecido zelo, é bom saber que ainda há esperança.
Por tudo isso, sigo voltando. Não em busca de uma cozinha brilhante, pois não é exatamente o caso. Nem precisa ser. Quanto mais eu como, mais entendo que não se pode querer matar todas as fomes num mesmo lugar. Restaurantes são um pouco como gente. Cada um se presta a acomodar um tipo de fome. Particularmente, vou ao Volta com fome de saudade. Das iscas de fígado à moda da minha avó ao café coado com bala de coco no final da refeição. Dos pratos coloridos de porcelana como os que minha mãe colecionava aos móveis antigos que me lembram a casa da bisavó.
Entendam bem, vou até lá, não pra matar saudade, mas pra sentir saudade. Sou uma criatura à moda antiga, nostálgica por natureza, e sempre achei que saudade é coisa que se alimente.
Volta – Rua Visconde de Carandaí 05 – Jardim Botânico
http://www.restaurantevolta.com.br/