No último domingo, meu pai me mostrava no violão um samba novo e repetia a todo tempo: “são só três notas, mas olha que beleza”. A frase me voltou à memória algumas vezes na noite de ontem, durante o lançamento do novo menu da chef Roberta Sudbrack. O jantar transcorreu como um concerto onde se faz grande música a partir de poucas notas.
Esta talvez não seja sua coleção mais inventiva, mas, provavelmente, é aquela que melhor representa a filosofia de trabalho que a chef vem burilando ao longo dos anos: a de construir uma cozinha que esteja a serviço do ingrediente. Manter a coisa simples, deixar o produto brilhar. O que se viu foram pratos pensados em torno de poucos elementos, muitos deles apresentados ao natural, com pouca ou nenhuma intervenção. Compartilho aqui com vocês meus favoritos.
Flor de abobrinha frita e gema de ovo. Duas das coisas de que mais gosto na vida, mas que não me lembro de ter comido juntas antes. Unidas no mesmo prato, elas se potencializam numa composição que, além de bela, é deliciosa.
O crocante de cará com aviú (micro camarão da região amazônica, de delicadeza ímpar) e lascas de castanha do Pará fresca revela ecos da recente visita de Roberta a Belém, de onde voltou encantada com o tanto que descobriu. Parte do que foi servido na noite de ontem ela trouxe direto do Pará e “só tem enquanto durar”, como ela mesma me disse. Portanto, alguns pratos, possivelmente, não terão reedições futuras.
O palmito “bebê” (que chega de Angra dos Reis) veio praticamente desacompanhado. Apenas um tantinho de tomate e manjericão. A estrela era ele, uma espécie de broto de palmito, de textura impressionante e sabor peculiar.
O ravióli de cará, de recheio amanteigado, sedoso, flutuava num caldo de galinha perfumado e intenso e era finalizado com uma chuva de piracuí (peixe seco moqueado, com textura semelhante a uma farinha). Requinte e conforto dão as mãos num prato que é praticamente um afago.
Queixada e farinha ácida. A carne se desmanchava no garfo, mas, pra mim, a rainha desse prato era a farinha. Na primeira garfada, tive certeza de que havia algo de especial e diferente nela. Perguntei ao final do jantar. Roberta contou que foi buscá-la com uma senhora que produz em Belém, no meio da mata. Pediu a ela que lhe vendesse a massa recém extraída do tipiti, antes de fazer a farinha. Em sua cozinha, a chef lavou uma única vez, pra deixar certa acidez. Essa é da série “só tem enquanto durar”. Difícil é viver sem essa farinha depois de sabê-la...
Tâmara com licuri torrado e chá preto. Combinação inspiradora, que abriu caminho para o último ato, o leite frito: de interior cremoso como um mingau e capinha dourada como uma rabanada, ganha, ainda, o calor do maçarico na finalização.
Todos os pratos vinham acompanhados de uma fitinha com uma divertida descrição, a deixar claro que o que se buscava em cada uma daquelas composições era o simples. Não no sentido do que é pobre ou rudimentar, mas daquilo que é essencial. Na mesa, só o fundamental, o indispensável, sem acessórios, sem distrações. Ao fim da noite, não nos restava dúvida: nas mãos certas, “só” pode ser muito. Menos, definitivamente, pode ser mais.
Roberta Sudbrack – Av. Lineu de Paula Machado 916 – Jardim Botânico
http://www.robertasudbrack.com.br/
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