Não sei se tenho uma boa resposta pra essa pergunta. A Cidade do Panamá é um lugar marcado por poderoso encontro de etnias, caldeirão de onde poderia brotar um interessante panorama, inclusive do ponto de vista culinário, a exemplo do que aconteceu no Peru. Mas o visitante mais atento deixa a cidade com a impressão de que, da riqueza dessa mistura ainda não brotou a expressão de uma identidade cultural. As diferentes influências parecem não ter encontrado um denominador, o que fica evidente, inclusive, em suas mesas.
Durante quatro dias, circulei pela cidade, tentando travar contato com a cultura gastronômica local, mas familiarizar-se com a culinária panamenha não é tarefa fácil para o visitante. Em detrimento da comida típica, abundam restaurantes de cozinha internacional. Ao que parece, o interesse, mais do que revelar a força da cozinha nacional, ainda está em agradar o paladar de todo tipo de estrangeiro que transite pela cidade. Das hojaldras (pão frito muito presente no café da manhã), patacones (nacos de bananas verdes amassadas e fritas) e carimañolas (bolinhos de mandioca recheados com carne) ao sancocho (sopa de galinha com arroz em caldo de culantro, o prato panamenho por excelência), o arroz com pollo (arroz com frango) ou a ropa vieja (refogado de sobras de carne desfiadas), os clássicos do receituário panamenho não estão por toda parte como se poderia esperar.
Saí com a impressão de ter diante de mim algo como o Brasil de duas, três décadas atrás. Pode ser que a coisa mude de figura com a com a crescente profissionalização da gastronomia no país, o surgimento de escolas especializadas e a formação de chefs de cozinha, o que favorece a discussão acerca da identidade da culinária panamenha moderna. O tempo dirá. Por ora, deixo-os com minhas impressões sobre os lugares onde estive nessa passagem pela cidade.
EL TRAPICHE. Quando o chef Mario Castrellón, do restaurante Maito (onde tive a única refeição verdadeiramente boa na cidade), me disse que este é o lugar onde sempre toma café da manhã, rumei pra lá. É, de fato, bastante autêntico, frequentado pelos locais. Mas a cozinha é pesada demais, sem uma dose mínima de sutileza, o que penso ser necessário mesmo na execução de pratos mais substanciosos - é o que faz a toda a diferença, por exemplo, entre uma feijoada indigesta e aquela feita por mãos que lhe conferem bem-vinda leveza. Sem mais elucubrações, o fato é que o café da manhã panamenho já é, naturalmente, bastante pesado. Se a cozinha ainda pesa a mão, fica difícil ir em frente. Experimentei a hojaldra, as carimañolas e os patacones. Tudo muito autêntico, mas nada propriamente gostoso.
Se ainda insisti em me aventurar no “desayuno centenario”(hojaldra, ovos fritos, salsa criolla, queijo e farofa de torresmo) foi por pura curiosidade, porque não me ocorre, neste momento, a lembrança de nada mais indigesto... A foto não me deixa mentir.
DIABLICOS. No famoso restaurante no Casco Viejo (bairro histórico da cidade e, pra mim, de longe, o mais interessante), o cardápio permite um bom panorama dos clássicos da cozinha panamenha, embora o lugar seja turístico demais. Começamos com um mix de entradas que trazia ceviche patacones e carimañolas e, em seguida, optei pela ropa vieja, servida com arroz e patacones. À exceção da saborosa ropa vieja, nada digno de nota.
FONDA PRITTY PRITTY. Uma das minhas maiores curiosidades eram as fondas. Redutos da comida mais cotidiana – algo como nossos botecos –, são cada vez mais raras na capital, sobrevivendo em rincões mais pobres ou no interior do país. Enquanto, no Brasil, a cultura de boteco passou por um movimento de resgate e os brasileiros parecem ter entendido a importância da cozinha tradicional praticada nesses estabelecimentos, lá, as fondas são vistas com certo desprezo ainda.
Procurei, procurei e nada. A única que cruzou meu caminho foi a Pritty Pritty Fonda, no Casco Viejo. Digamos que higiene não era o forte do lugar, mas o PF de frango, arroz e feijão, que representa o que há de mais cotidiano na alimentação do povo ali (pergunte a qualquer panamenho o que comem em casa no dia a dia e ouvirá; “arroz e frango”), até que estava gostoso...
LAS CLEMENTINAS. Também no Casco Viejo, o bar do hotel boutique Las Clementinas é dono de inegável charme, mas não me pareceu ir muito além disso. Do que experimentei, tudo era correto, nada especialmente bom, a não ser a hojaldra (aqui, uma versão com frango e cogumelos), sensivelmente mais delicada do que as que comi em lugares como Diablicos e El Trapiche.
MAITO. A considerar os automóveis em exibição no estacionamento, eu diria que é pra lá que a crème de la crème da sociedade panamenha se dirige quando se trata de um almoço ou jantar especial... Não sei se isso é bom ou mau sinal, mas o fato é que, como adiantei no início do post, foi ali que tive a única refeição verdadeiramente boa da viagem.
O chef Mario Castrellón parece saber se apropriar das tantas influências presentes na mesa panamenha pra construir uma cozinha de personalidade, que se volta para os produtos locais e dialoga com o receituário tradicional do país, acomodando-o, sob uma perspectiva moderna. Gostei muito do menu degustação que experimentei lá, claramente marcado por essa abordagem. Eis uma palinha do que comemos...
Tortillas de milho com porco defumado, guacamole e aioli de urucum.
Deliciosa hojaldra com tasajo (carne de porco defumada e desfiada, incrivelmente saborosa) e ovo de codorna frito.
Ensopado de arroz, feijão, rabo de porco e foie gras, em caldo de culantro.
Pelo que ouvi de alguns jornalistas e chefs durante minha passagem pela capital do Panamá, parece que o Maito é mesmo considerado por quem entende do riscado o melhor restaurante da cidade atualmente. Foi, sem dúvida, o único que me despertou algum entusiasmo...
El Trapiche - Via Argentina y Ave 2a B Norte - Cidade do Panamá
Diablicos – Calle 4a Oeste 7 (em frente ao Ministerio de Gobierno) – Casco Antiguo – Cidade do Panamá
http://www.diablicospanama.com/
Pritty Pritty Fonda – Calle 11 y Avenida B – Casco Antiguo – Cidade do Panamá
Las Clementinas – Calle 11 y Avenida B – Casco Antiguo – Cidade do Panamá
Maito – Calle 50 – Cidade do Panamá