Minhas refeições mais felizes no Piemonte aconteceram na Osteria da Gemma, de que falei no último post, e no Guido, em Serralunga d'Alba. Dois restaurantes que me soam tão díspares quanto semelhantes. Se a rusticidade de um e o requinte do outro os distanciam, a sintonia entre proposta e resultado os aproxima. Em ambos, de certa forma, eu me senti como se fosse recebida na casa de alguém e não propriamente num restaurante. Casas muito diferentes, não nego, mas das duas saí com a sensação de que se trouxe à mesa aquilo que de melhor havia a oferecer.
Se a Osteria da Gemma me deixou a impressão de ser o começo ideal de um roteiro pela região, a visita ao Guido talvez cumpra bem o papel de encerrá-lo. Depois de ganhar alguma intimidade com a culinária local, é possível vislumbrar ali um bem construído trabalho de apropriação da tradição, de modo a conduzi-la a um novo lugar, com inteligência e refinamento técnico.
Dos grissini que abrem a refeição aos pequenos bocados que a encerram; da gostosa cebola assada recheada com salsiccia di Bra, verduras, ovo e parmigiano aos delicadíssimos tajarin com aliche e barba de frade, em todos os passos, o percurso evidencia especial apuro na abordagem dos clássicos, num processo claramente norteado por sabedoria e respeito à memória. Definitivamente, não se trata de mais um dos tantos restaurantes que empunham a bandeira da modernidade sem saber por quê.
Merece menção especial o prato que me parece sintetizar o espírito do Guido: os soberbos agnolotti di Lidia (Lidia e Guido Alciati foram os fundadores do emblemático restaurante, hoje comandado por seus filhos Ugo e Piero), que revelam a um só tempo extrema sutileza e sabor profundo. Eleva-se a outro patamar um clássico da culinária piemontesa, sem, no entanto, subtrair-lhe algo que é fundamental: a simplicidade. Costumo ser cética quando ouço alguém sentenciar que determinado prato vale uma viagem. Pois ousaria dizer que aqueles agnolotti valeram minha a ida ao Piemonte.
O gelato de fiordilatte, batido ao momento, manteve o caráter sublime do jantar. Houve ainda peras ao forno com amaretto, sopa de chocolate e lascas de trufas. Deliciosa. Mas o fabuloso sorvete roubou a cena.
Saí dali feliz, com vontade de voltar um dia. Sei que entre os modernos convém ser menos óbvio ao avaliar o grau de satisfação em um restaurante. Pra mim, que sou um ser anacrônico, essa continua sendo a melhor medida.
Guido Ristorante – Villa Reale – Tenuta di Fontanafredda – Serralunga d'Alba
http://www.guidoristorante.it/