A nova casa de Vitor Sobral em São Paulo inspira-se na informalidade e nos sabores francos das tascas portuguesas – permitindo-se o chef, aqui e ali, algumas licenças poéticas. Há um pequeno rol de pratos mais substanciosos, mas a essência do cardápio se desenrola em torno de conservas, petiscos e pequenas entradas. Comida pra ser compartilhada, esse é o espírito da coisa.
Durante meu jantar ali, nos momentos em que tirei a atenção da mesa e a depositei no entorno, houve certo estranhamento. Talvez porque eu procurasse no ambiente algo do calor, do acolhimento das tascas. Mas, se já não deve ser fácil replicar a proposta da cozinha, como esperar que se reproduza o impalpável? E, afinal, que culpa tem o chef de não estarmos em Lisboa, mas no Itaim? De sua parte, garante o que lhe cabe garantir: a viagem acontece no prato.
Começamos pela seleção de conservas. Sardinhas contracenando com cebolas cruas, tomate e pedaços de pão grelhado. Bacalhau na providencial companhia do grão de bico, além de cebolas, vinagrete de sardinha e gema de ovo ralada. Deliciosas, ambas as porções.
Seguimos com as pataniscas de bacalhau com legumes, acompanhadas de creme de feijão frade. Podiam estar mais sequinhas, mas eram muito saborosas.
Não deixaria a casa sem experimentar a alheira, que figura entre minhas predileções, ali servida com cenouras e impecáveis quiabos grelhados. Meu caderno de anotações me assegura ter sido esse o melhor prato da noite.
Confesso, porém, que em meu registro íntimo o que ficou carimbado foram os rissoles de bacalhau com camarão. Dizer que a fritura era perfeita, que a massa era leve e que o sutil recheio podia ter mais sabor atenderia ao compromisso com a objetividade que se espera daqueles que escrevem sobre restaurantes. Como não pretendo fingir que minhas experiências à mesa sejam destituídas de subjetividade, devo admitir que o mais importante a respeito daqueles bocados foi o fato de terem me levado de volta a Lisboa. Mais precisamente, a junho de 2007, quando minha saudosa tia Alice, lisboeta e cozinheira de mão cheia, me apresentou seus inigualáveis rissoles.
Os da Taberna da Esquina não rivalizam com aqueles feitos pela tia, que minha memória tratou de eternizar. Mas, de algum modo, me levaram a revisitá-los e, assim, atenuar a saudade. Que bem maior pode um prato de comida fazer a alguém – depois, evidentemente, de saciar-lhe a fome?
Taberna da Esquina – rua Bandeira Paulista 812 – Itaim – São Paulo