Sobre o Mesa Tendências 2010

Novembro 2010

Nos últimos dias, estive em São Paulo, onde participei da cobertura do congresso Mesa Tendências, cujo tema, nesta última edição, foi sustentabilidade. Vi e ouvi muito, aprendi muito, trabalhei muito. De volta ao Rio, continuo trabalhando. O prazo é curto e tudo tem que estar nos trilhos pra que vocês tenham, juntamente com a edição de dezembro da revista Prazeres da Mesa, o encarte especial mostrando tudo o que aconteceu por lá. Em meio à correria, vim aqui contar um pouco do que vi nesses dias de congresso. Não pude acompanhar todas as palestras porque, entre uma e outra, era preciso trabalhar. Mas deixo aqui uma palinha do que pude captar.

Antes de mais nada, quero dizer que é uma satisfação olhar aquele auditório cheio e lembrar que quem está ali é gente que quer pensar os rumos da gastronomia no Brasil e no mundo. Como é igualmente bom encontrar pessoas nos bastidores, nos corredores, e discutir, trocar ideias. Precisamos muito disso: formar massa crítica. Não acredito que gastronomia de país algum possa evoluir sem isso. Esse, pra mim, é um dos grandes méritos de se conseguir realizar um evento desse porte por aqui. Dito isso, o mais é abrir bem os olhos e os ouvidos. Permitir-se absorver o máximo possível do que se passa por aquele palco em três intensos dias. Não só absorver, mas digerir. E sair dali um pouco mais enriquecido do que se entrou. Porque se é pra sair igual, melhor nem ir.

Tivemos alguns jovens chefs brasileiros, como Ana Luiza Trajano, Rodrigo Oliveira e José Barattino, revelando os elos que constroem, hoje, com seus fornecedores, o que passa também pela valorização do produto brasileiro e pelo respeito no trato com a alimento que nos servem em seus restaurantes. Aliás, de tudo o que observei ao longo desses dias, diria que esse é um dos grandes passos que já se começa a dar no sentido de construir uma identidade mais sólida para a nossa gastronomia: o resgate do pequeno produtor. Eu, que acompanhei as três últimas edições do congresso, fiquei particularmente feliz em sentir um amadurecimento crescente no trabalho desses nossos jovens chefs. Que venham melhores a cada ano.

Tivemos gente do naipe de Roberto Smeraldi e Carlo Petrini discutindo o futuro da questão alimentar.

Juarez Campos, enchendo o palco de simplicidade e carisma e brindando a plateia com a presença de uma autêntica integrante do grupo Paneleiras de Goiabeiras, mulheres que fabricam, artesanalmente, as panelas de barro tão importantes para a culinária capixaba e cujo processo de feitura foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Beto Pimentel, que, por trás de toda a sua verborragia e da personalidade bastante peculiar, revela-se um exemplo vivo da prática diária da sustentabilidade. Um homem que faz, em Salvador, uma das cozinhas mais interessantes desse país, quase que inteiramente com aquilo que colhe dos milhares de árvores que planta ele mesmo.

Alex Atala, levantando a bandeira de que é no reino vegetal que talvez resida a grande força culinária brasileira.

Tivemos Hervé This, na plateia...

...e no palco, falando, com entusiasmo, das relações entre ciência e gastronomia.

O genial Massimo Bottura, que dava o tom de seu discurso,  afirmando que “a beleza e o brilho de um prato vêm do sentimento daquele que o produz, vem do interior do cozinheiro”. Uma apresentação sublime de um chef profundamente inspirado, que, segundo suas próprias palavras, faz questão de “ter os pés na terra, mas uma cabeça que voe”.

E tantos outros talentos, como Heinz Beck, do La Pergola, em Roma...

Marcus Wareing, do restaurante homônimo, no The Berkeley, em Londres...

Nuno Mendes, do Viajante, em Londres...

Bem Roche, chef pâtissier do Moto, em Chicago...

Mas eu lhes diria que foram duas brasileiras que me proporcionaram os melhores momentos do congresso.

Teresa Corção, engajada em fazer da gastronomia um instrumento de integração social e promoção da cultura da sua terra, trouxe ao palco do Tendências, diretamente de Bragança, interior do Pará, Seu Bené, verdadeiro artesão brasileiro, que fabrica a farinha d’água considerada a melhor do país. Sujeito simples, acomodou-se um tantinho acanhado, meio alheio a tudo, olhos fixos no vime que suas mãos transformariam. O que lhe interessava era se concentrar na produção de um paneiro tal qual aqueles que fabrica e usa pra vender sua farinha no Pará. Era pra isso que estava ali: mostrar seu artesanato, genuinamente brasileiro. Juntos, Teresa e Seu Bené levantaram a plateia.

E Roberta Sudbrack, que já dizia a que veio no título que escolheu pra sua apresentação: “Por uma memória que nos sustente”. Projetou diante de olhos emocionados um filme sobre uma viagem sua a Itabirito, interior de Minas Gerais, e as pérolas descobertas na Mercearia Paraopeba, do mineiro Roninho, entre elas, um majestoso fubá feito pelas mãos de uma senhora de mais de oitenta anos, figura tocante, que herdou da vida esse ofício e a ele não renuncia. As cores, a música, o gestual do brasileiro simples, do interior, tudo naquele vídeo pulsava na frequência da alma brasileira. Um retrato comovente do Brasil, que, ao se encerrar, deixou no auditório, por alguns segundos, um silêncio daqueles que nos tomam quando somos confrontados com o poder da verdade.

Eis aqui, pra quem quiser conferir, o belo filme de autoria de Yuri Samico, surrupiado do blog da própria Roberta:

Teresa e Roberta: duas mulheres que têm a coragem de tirar o Brasil do discurso e exibi-lo diante dos olhos de quem queira ver. E a verdade com que fazem isso arranca lágrimas e levanta plateias de suas cadeiras. Porque, talvez, não haja nada que nos toque tão profundamente a alma como a arte da nossa terra, ainda que seja ela a mais inglória das pátrias. Pra mim, que creio que um artista só é verdadeiramente grande quando expressa as suas origens, fez todo sentido.

Acho que ainda sensibilizada por tudo isso, no voo de volta ao Rio, tomada pelo enorme cansaço que quase me tirava a capacidade de pensar, brotou-me a pergunta: e se se fizesse um Mesa Tendências só de Brasil? Nada de nomes internacionais como âncoras. Somente chefs e cozinheiros de todos os rincões do nosso país. Um palco unindo gente de todas as regiões pra pensar o futuro da gastronomia brasileira. Estudantes, profissionais, jornalistas, enchendo um auditório pra ouvir o que o Brasil tem a dizer de si mesmo. Quem sabe?

 


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