La Vinería de Gualterio Bolivar: cozinha de vanguarda em Buenos Aires

Junho 2009

Os dias que antecedem minhas viagens são de ansiedade: leio e releio a lista de restaurantes que tenho interesse em visitar e sofro pra escolher o que fica e o que sai. La Vinería de Gualterio Bolivar entrou e saiu da minha lista inúmeras vezes, durante o exercício de garimpagem. Finalmente, voltou e permaneceu entre os eleitos.

A casa de Alejandro Diglio tem sido aclamada como uma das cozinhas mais inventivas da capital argentina. A edição de maio da revista Food & Wine acaba de eleger os 20 restaurantes mais interessantes da cena gastronômica mundial em 2009 e... Adivinhem? La Vinería está lá.

Alejandro trabalhou no El Bulli, de Ferran Adrià, por duas temporadas. Trouxe na bagagem, acreditem, mais do que perícia em desconstruções e espumas. Pra falar a verdade, os ecos da dita cozinha tecnoemocional nos pratos da Vinería foram o que menos me impressionou. Garantem uma certa ludicidade, nada mais. O que realmente me encantou foi o cuidado com que se tratam os ingredientes.O mesmo cuidado, quase religioso, revela-se no trato com os vinhos.

O pequeno restaurante, escondido num quarteirão pouco atraente de San Telmo, tem ambiente agradadável, apesar de extremamente simples. A falta de afetação do salão deixa claro que o foco está no que sai da cozinha e da adega e chega às mesas; é aí que se concentram todas as atenções.

Pra abrir o menu de 11 passos, azeite de oliva em diferentes texturas: em pó e sob a forma de manteiga de oliva. Gostei bastante da manteiga. Quanto ao azeite, é lúdico, interessante, mas ainda prefiro o bom e velho azeite in natura, escoltado por um pão quente. Vale pela experiência do novo. Em seguida, as entradas: shot de vodka e maracujá, uma inusitada croqueta líquida de espinafre, salmão marinado com sal de cítricos e um incrível bombom de foie com geléia de tomate.

O carpacio de portobelo vinha acompanhado de legumes crocantes, uma interessante emulsão de alface e um saboroso molho de pimentões. Mas meu primeiro momento de verdadeira satisfação se deu mesmo foi com o huevo-pan-trufa: gema pochê envolta em finíssima lâmina de pão tostado em azeite, creme de queijo de ovelha, redução de asa de frango e gotas de óleo de trufas. Apesar da presença do óleo satanizado e proibido terminantemente em qualquer cozinha que se repute séria, o prato estava muito bom. Talvez, quem sabe, pra confirmar que, em toda regra, cabe uma exceção.

O Mar y Montaña trazia, de um lado, línguas de cordeiro e, de outro, vieiras a la plancha. Acompanhadas de um belíssimo purê de abóbora. A textura da língua de cordeiro e o sabor do purê ficaram na minha memória.

Logo depois, a delicadeza do salmão branco em cocção perfeita, acompanhado de um dispensável “tagliatelle” de chá preto, obtido com agar-agar.

A bochecha de boi, extraordinária, vinha sobre um aveludado molho de cacau. O “ar” de maçã-verde dava leveza ao prato, num contraste interessante com a personalidade da carne. Novamente: acho que a gelatina de maçã-verde seria dispensável.

Na sequência, “cordero sin cordero”: um rolinho delicado de massa frita de batatas, recheado com creme de ervilhas e de cenouras, regado com suco de cordeiro, pra se comer com as mãos, de uma só vez.

Enfim, o tenro ojo de bife, em redução de Malbec, com um raviole de nabo recheado de ratatouille.

A primeira sobremesa era uma pêra cozida, salteada na manteiga, com biscoito de pão de especiarias e açúcar de cana. Seria perfeita, não fosse o pastis que entra no cozimento. É uma questão subjetiva: detesto anis.

O gran finale me esperava com uma sobremesa intitulada Otoño. Delicado creme de iogurte envolto em crisps de chocolate, sorvete de queijo de cabra e uma espécie de mousse de chocolate amargo, repousando sobre flocos de um biscoito de chocolate sem farinha. Tudo isso sob uma “bolha” de ar de cacau. Uma vez mais: quanto ao ar de cacau, divertido, mas nada acrescenta ao prato. O melhor está exatamente nos demais elementos.

O talento de Alejandro Diglio me pareceu estar, de fato, muito além da pirotecnia.

 

La Vinería de Gualterio Bolívar - Rua Bolívar 865 – San Telmo – Buenos Aires

www.lavineriadegualteriobolivar.com

Tags: Buenos Aires
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